As casas sujas, muito riscadas com letras a carvão profundamente revolucionárias.
"Proletários, uni-vos." Isto era escrito sem vírgula e sem traço, a piche. Que importavam a vírgula e o traço? O conselho estava dado sem eles, claro, numa letra que aumentava e diminuía. Talvez a datilógrafa dos olhos agateados morasse por ali, num dos becos que iam ter à rua suja. Escondida num quarto escuro, a datilógrafa dos olhos agateados ocupava-se em bater na máquina um boletim subversivo. Um irmão decoraria dele a frase mais incendiária, que seria copiada a carvão no muro de uma igreja de arrabalde.
Aquela maneira de escrever comendo os sinais indignou-me. Não dispenso as vírgulas e os traços. Quereriam fazer uma revolução sem vírgulas e sem traços? Numa revolução de tal ordem não haveria lugar para mim. Mas então?
- Um homem sapeca as pestanas, conhece literatura, colabora nos jornais, e isto não vale nada? Pois sim. É só pegar um carvão, sujar a parede. Pois sim. Moisés que se arranje.
Senti despeito. Afastar-me-iam da repartição e do jornal, outros me substituiriam. Eu seria um anacronismo, uma inutilidade, e me queixaria dos tempos novos, bradaria contra os bárbaros que escrevem sem vírgulas e sem traços.