Gosto de postar textos que considero interessantes. Esse, do Ins, já estou acrescentando à lista de outros dele que tenho por aqui.
Quem quiser conferir tem mais crônicas e tb poesias na Aldeia
As pequenas coisas e as coisas pequenas - César Oliveira ("Insensato")
Houve um tempo em que ser infeliz rendia ao menos uma canção de dor de cotovelo, cantada pela Maysa, com a fumaça do cigarro e um copo de uísque na mesa. Ser infeliz não chegava a ser um acinte, como hoje. Afinal o que seria da literatura russa sem a dor de viver? Com o tempo a felicidade foi ganhando espaço, tanto quanto o sexo casual, comida de fast-food e celular no ouvido. Até chegarmos a situação de hoje- onde há uma imposição para curtir a vida, uma obrigação de ser feliz. Um fim de semana, em casa, sem festa, tem a dimensão de apocalipse existencial, de vergonha impossível de ser assumida no escritório às segundas-feiras. Há, como nunca, uma urgência de viver intensamente, ou pelo menos de dar a impressão que não somos exatamente um desastre social, custe lá o que isso custar.
A felicidade vem se tornando coletiva, como se atingi-la dependesse de uma exibição pública do reality show particular de cada um. Verdade que a felicidade é coisa diversa e certamente inversa à taxa de juros de seu banco e o valor da pensão alimentícia que você paga. Bernard Shaw dizia que nenhum homem vivo conseguiria suportar uma vida inteira de felicidade, pois seria um inferno. Já Rosseau resumia a felicidade a um bom saldo bancário, uma boa cozinha e uma boa digestão. Eu não sei qual das opções é a definitiva e ando procurando essa fórmula, porque entre os defeitos do criador está este da vida vir sem bula, sem manual, tal como vem o microondas e a agenda eletrônica. Se bem que, apesar do manual, eu, analfabeto eletrônico, não sei usá-la e continuo com uma listinha de papel, toda riscada. Alguns podem dizer que a felicidade é ter alguém que te dê o que você precisa para que você possa dar a esse alguém o que ele quer, ou pelo menos, para que seja sua o bastante mesmo que não o suficiente. Ou - supremo limite do prazer-, que até a dor, se sentida juntos, ela deseje que não acabe nunca mais.
Acontece que é cada vez mais raro chegar até aí, ou encontrar essa parceria. É como escalar o Himalaia de sandália havaiana e camiseta regata. Eu não sei bem se nossa tolerância é que está mudando, se estamos ficando mais individualistas, se nos tornamos incapazes de qualquer renúncia por alguém, ou se é apenas nosso orgulho que faz com que valorizemos em excesso os detalhes, as pequenas coisas, que não deveriam ter a importância que lhe conferimos. Cada vez mais engolimos os elefantes e engasgamos com os mosquitos. Talvez porque não saibamos mais diferenciar mosquitos de elefantes. O importante do secundário. Perdemos a dimensão do detalhe. O rodapé também se tornou uma opção. E envoltos na multidão, nas regras, nos modelos, imperceptivelmente, vamos cada vez mais sendo como todos e cada vez menos sendo como nós mesmos. Eu já andava desestimulado até que alguém me trouxe uma receita, que me deu gosto. Duas sugestões pra sobreviver. A primeira é que não devemos valorizar as pequenas coisas. A segunda, é que todas as coisas são pequenas...