Seria só mais uma história, como tantas outras que costumam acontecer.
O inusitado era com quem se passava.
Levara uma vida recatada, tentando impor seus valores a todos com quem convivia.
Separara, enviuvara, afastara-se da filha e netos.
Nunca conseguira ser feliz.
Gostava de sua solidão, de sua reclusão, de sua ranzinzice.
Começara por criar situações para que ficasse cada vez mais só. Antes, contava com seu azedume para manter as pessoas afastadas.
Agora, com a idade avançando e o espelho gritando a cada visita sua decrepitude, precisava criar novas formas.
Optou pelo esquecimento, pelo confundir pessoas e situações.
Naturalmente que as pessoas assustaram-se. E afastaram-se.
Ficara livre, então, para dedicar-se a si.
E a seu corpo.
Único amante, secreto, parceiro de todas as noites insones e dias monótonos.
Nenhum outro amante saberia desvendar os caminhos, nenhum outro amante colheria maior prazer, nenhum outro seria mais discreto.
Só esse, secreto, porque amante de si mesmo.
Ivy
23/5/02