Um dia desses, fiz visita a uma amiga, coitada, dependente de celular. Logo que cheguei na casa dela, nos cumprimentamos e... lilililili... toca o celular. Ela me larga feito uma pateta no meio da sala e vai lá pro cantinho, e tome dez minutos, quinze, e eu ali, pateta, já tava me sentindo com a cara toda melada de pastel. Aí minha amiga me oferece: quer um suquinho? Eu, desolada, quero. Minha amiga vai lá dentro, sempre agarrada ao celular, não larga nem pra ir buscar o suco. E eu, na sala, pacientemente esperando... trililili... trililili... a musiquinha horrorosa todo instante lá dentro... e tome 10 minutos, quinze, uma vontade imensa de fumar, olho pros quatro cantos da sala e vejo numa parede aquela rodinha horrorosa, burra, antipática dizendo apague essa idéia em cima de um cigarrinho... eu penso: é muita petulância. Nilze, v. já pensou se eu andasse pra todo canto vestindo uma camiseta com aquela rodinha horrorosa dizendo pra meus interlocutores desligue essa idéia em cima de um celularzinho???? Pois é... você era uma das que iam me chamar de chata, burra, antipática e ia sofrer o que sofro quando vejo aquela logomarca de apague essa idéia na minha frente... Mas, voltando à minha amiga que fui visitar. Ela trouxe o suquinho, por sinal muito doce, horrível, e começamos a papear. Quase que enlouqueço. De instante em instante, uma musiquinha trilililililili....... trililililili.... Eu, muito educada, queria estrangular o celular, jogá-lo contra a parede mais próxima, mas, como dizia, eu, muito educada, me continha. Teve uma hora que ela me pergunta se eu gosto de Brahms, eu disse gosto, ela colocou o cd 3a Sinfonia e parece que a paz ia reinar. Menina!!! Quando Brahms tocava um movimento lindo, o mais bonito, o diabo do celular respondia com aquele movimento escabroso trilililili... eu já nem digo coitado do Brahms que já é morto... eu digo coitada de mim que ainda tô viva. E agora? Nem podíamos papear, em respeito a Brahms fazendo parceria com o celular, nem eu podia fumar, nem nada. Que sufoco!!! Terminou o cd, silêncio momentâneo. Mais breve que momentâneo. Porque o celular continuou com sua milésima nonagésima nona sinfonia com enésimos movimentos intermináveis... trilililili... trilililili... Minha amiga, muito neurótica, ainda tentou ensaiar algum comentário sobre a copa, a derrota da Coréia e a torcida coreana muito educada frente a derrota... deixei escapar o comentário que na televisão não vi ninguém atendendo celular durante os jogos da Coréia, nem mesmo derrotados, eles não buscaram "alívio", que povo educado, acrescentava eu... Minha amiga não gostou do meu comentário, e me disse que tinha algumas coisas pra fazer, me despachando assim, eu, novamente com cara de pateta, me sentindo com meu lindo rosto todo melado de pastel. Nos despedimos apressadamente. Nunca mais, meu Deus... nunca mais.
Detesto auto-piedade. Graças a Deus que esse vício de auto-piedade eu não tenho... Mas sofro tanto ... tanto... tanto... quando um papo é interrompido com aquela musiquinha... Fico com tanta pena de mim, por que eu, meu Deus? Coitada de mim... Eu não tenho, nem quero, nem uso o de ninguém, mas sempre acho um dependente de celular pra me aperrear e inda por cima me passar sermão... que desdita, essa minha...
Nilze, espero que você tenha gostado deste texto. Quantas vezes você atendeu o celular enquanto me lia? Se atendeu a três ou mais vezes, você está precisando seriamente de ajuda. Procure um grupo de mútua ajuda, desses de anônimos, tipo CAn, Celularistas Anônimos.