Vôos Blog(u)éticos de Ivy


"e falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase... E a vida dói quanto mais se goza, e quanto mais se inventa..." Fernando Pessoa

segunda-feira, julho 29

-- Pois é... --

O risco Ciro Gomes
GILBERTO DE MELLO KUJAWSKI


Consta que o banqueiro Olavo Setúbal, em conversa com Ciro Gomes, teria dito que não tem medo de Lula. "Porque, se eleito, o Lula não vai fazer nada. Eu tenho medo é de você." Todos concordam que Olavo Setúbal sabe o que diz. Sua perspicácia mercadológica foi posta à prova muitas e muitas vezes, sempre com sucesso. O receio manifesto por alguém nessas condições deve ser ouvido como um vaticínio. Poderá cumprir-se ou não, mas é bom levá-lo em conta. O poder de arranque de Ciro nas pesquisas começa a assustar o eleitorado de cabeça fria.

Para quem não morre de amores por Ciro Gomes, a primeira cautela, ao opinar sobre ele, será a de não desqualificá-lo sumariamente. Para manter a isenção forçoso é reconhecer suas qualidades de homem público. Ciro irradia o charme discreto do líder providencial, o salvador da Pátria em perigo. Ele é enérgico, dotado de senso de autoridade, rara hoje em dia; sabe mandar e nada consta quanto à sua honestidade. Em sua alma vibram sincero patriotismo e forte idealismo, dos quais não se envergonha.

A trajetória do político cearense comprova sobejamente esse perfil, confirmando seu pulso executivo. Ao assumir a prefeitura de Fortaleza, limpou a cidade de toneladas de lixo acumulado nas praias e nas ruas e saneou as finanças, voltando a pagar os salários do funcionalismo, repondo as parcelas atrasadas. Como governador, desenvolveu atuação também saneadora e empreendedora, entregando o Estado em boas condições ao sucessor. Gosta de falar, tem o dom da oralidade, boa cabeça e argumentação aliciadora, o que explica seu sucesso na televisão. Em suma, Ciro Gomes exibe liderança à flor da pele, e sua postura física retesada é a de um puro-sangue da política, um executivo nato, cheio de vitalidade, dinamismo, coragem e determinação.

Depois desse retrato, que poderia passar pela imagem do político ideal, é o caso de indagar: onde está o defeito de Ciro? Existirá no candidato do Felipão, de ACM e de Bornhausen, tão bem-dotado, algum ponto fraco ou duvidoso, que possa comprometer tamanha soma de qualidades? Não há dúvida que o ponto fraco existe, e está bem à vista de todos. É o seguinte: Ciro, nos bastidores de sua magnífica fachada de carisma e eficácia, sofre contradições terríveis, que ele não sabe administrar harmoniosamente e entram em curto-circuito, eclodindo em explosões inesperadas, de efeito incalculável. Ciro é material perigosamente inflamável, uma caldeira de alta pressão sem válvulas de escape, e suas explosões atingem vários níveis:

podem ser estampidos verbais, xingamentos grosseiros, insultos torpes e pesados; estouros voluntaristas, manifestos em atos e decisões precipitados e impulsivos, que podem não ter volta nem correção possível; rupturas políticas abruptas com os aliados do passado e aliança com os ex-inimigos; estalos ideológicos detonados no gosto do confronto aberto com a ortodoxia, a moderação, e na tendência incoercível para o extremismo e o exibicionismo.

Contradições todos nós as temos; a questão é querer administrá-las de modo a desarmá-las, o que nem todos querem. A contradição básica e primária de Ciro, da qual ele é incapaz de livrar-se, remonta às suas origens políticas.

Sua família, os Gomes de Sobral, integram uma poderosa oligarquia pesando há mais de cem anos na região. Seu bisavô e seu pai foram prefeitos de Sobral e o atual prefeito é seu irmão, Cid. Representante da fina flor da oligarquia nordestina, como conciliá-la com o ideal apregoado de um político democrata, moderno e progressista, sobretudo num temperamento sentimental como Ciro, agarrado aos manes da família e do meio em que foi criado? A genética do caciquismo não entra em conflito com a cartilha da igualdade e das mudanças sociais? Na linha dessa mesma contradição, Ciro entrou na política pela porta suspeita do PDS, partido gestado pela Arena, agremiação que dava sustentação à ditadura militar. Ele mesmo reconhece: "É uma mancha na minha vida, que assumo, não sem um trauma pessoal" (Veja, ed. 1760). Aí está: os traumas pessoais do candidato, que são muitos e continuados, resolvem-se em explosões absurdas, irracionais, que abalam todo um castelo imaginário de boas intenções.

Uma coisa é a pessoa dada a instabilidades eventuais e muitíssimo outra é o indivíduo movido continuamente a explosões, como Ciro Gomes. A imprevisibilidade é a nota constante e inquietante de sua conduta, traço que o aproxima, para seu desgosto, de dois presidentes que não deram certo devido ao excesso de "independência": Jânio Quadros e Fernando Collor. Como confiar num governante sujeito a rompantes, que desfaz com os pés o que construiu com as mãos? Ciro chama a política para o campo pessoal, em vez de fazer o contrário, consagrando seu ego desmesurado à tarefa impessoal de promoção do bem público pautado na lei e no Estado de Direito, e não nos destemperos, nos caprichos e nas vontades de um temperamento de prima-donna.

E que pensar do apoio do PFL? O presidenciável diz-se "constrangido", mas aceita a aliança proibida. Mais uma contradição, mais uma explosão iminente.

E que dizer de seu guru ideológico, a extravagante figura do professor Roberto Mangabeira Unger, que lembra um personagem fugido daquele conto de Poe, "O sistema do dr. Abreu e do prof. Pena"? Não se trata de nenhuma nulidade, mas de um intelectual engenhoso, embora de aparência meio lunática, que reclama para o Brasil "projetos fortes" (Folha de S.Paulo, 16/7). "Projetos fortes" é o eufemismo para o populismo e o estatismo desse ex-correligionário de Leonel de Moura Brizola, com verniz de Harvard e tinturas acadêmicas. Estatismo e populismo que encontram terreno fértil num candidato inflado de soberba, que se pretende acima de tudo e de todos, talvez até dos partidos e das instituições.


Gilberto de Mello Kujawski, licenciado em Filosofia, é autor, entre outros, do ensaio Idéia do Brasil - A Arquitetura Imperfeita (Senac) E-mail: gmkuj@ig.com.br



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