Que país é esse em que dez milhões de pessoas, na mesma semana em que o dólar bate nos R$ 3, vão até o telefone, esperam linha, discam dez números, esperam completar a conexão, ouvem uma gravação boba de agradecimento e imediatamente, merecidamente, são taxadas em R$ 0,25 por tamanha idiotice?
Que país é esse com dez milhões de pessoas sem nada melhor para fazer, nem mesmo sexo conjugal, nem mesmo um livro de auto-ajuda, nem mesmo dormir, do que se colocarem à disposição, até meia-noite de uma terça-feira fria, de um ritual tão deletério para decidir quem fica com os R$ 500 mil do Big Brother Brasil?
Que país é esse em que dez milhões de pessoas, no mesmo dia em que a ONU colocou o Brasil atrás do Paraguai, Colômbia e Venezuela num ranking de pobreza, estão principalmente interessadas em decidir se gostam mais da 'universotária' que não sabe o dia da Proclamação da República ou do 'caubobo' que desconhece o Dia da Independência?
É uma desgraça, tão alarmante quanto a de que já chega a 20 milhões o número de pessoas no país sobrevivendo com menos de R$ 3 por dia, ter à disposição uma equipe de profissionais capaz de fazer as edições geniais de terça-feira e, no entanto, deixá-la debruçada sobre um projeto que não melhora nada em nada a vida de ninguém – a não ser o estúpido da vez que carrega os R$ 500 mil.
Novamente, como da série passada com Bambam e Vanessa, chegam à final do Big Brother os candidatos com mais dificuldade de verbalizar seus ideais, sentimentos e complexidades; jovens filhos da televisão incapazes de completar um pensamento sem começar a gritar vogais – "aaaaaaaêêêêêêê"!, "uuuuuuuuuuuuú" – como se fossem os últimos remanescentes da tribo do saudoso cacique Juruna, que nos deixou recentemente. Os silêncios que se seguiam aos vagidos eram constrangedores. Quem votava de casa também não precisava falar. E assim, de grão em grão, da escola ruim ao programa ruim, passando pela tecnologia de última geração, vai se perdendo a língua e tudo o que Fernando Pessoa/Caetano Veloso queriam dizer com "minha pátria é minha língua".
O caubói Rodrigo, com meio neurônio a mais do que o Bambam da vez passada, ganhou o prêmio. Ele colocou uma imagem de Nossa Senhora dentro do chapéu e, com cada beijo que dava no papelzinho santo, ia recolhendo os votos do Brasil católico. No outro canto do ringue, Manuela, tão impenetrável – Thyrso que o diga pelo lado físico e os espectadores pelo lado do conhecimento intelectual – quanto a modelo Vanessa da vez passada, levou R$ 30 mil. Sua estratégia, já que não parece muito católica, era beijar o bonitinho do programa e simular para o Brasil-família que daqueles amassos poderia sair uma.
A televisão conseguiu mais uma vez reunir na final essas suas duas grandes platéias, a do Brasil rural, representada pelo vaqueiro de calças apertadas, e o Brasil urbano da carioquinha de umbigo sempre de fora. Poderia ser um grande e curioso choque de culturas, não fossem todos filhos da mesma cultura sem pátria do Xô da Xuxa e do Show da Malhação. Foi-se embora também o culto das diferenças regionais. O peão e a gatinha, típicos representantes da geração uga-uga, ficaram iguais em sua sensaboria apática – e só os muito tolos não percebem que um BBB desses é mais um indicador precioso, embora ainda não requisitado pela ONU, para medir o índice de pobreza de um país.