12.Out.2002 | O dia em que o dólar bateu nos R$ 4,00 lembrou aquele outro em que o tráfico de drogas fechou o Rio de Janeiro. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, mas percebia-se a gravidade da coisa diante da impotência do poder constituído para enfrentar o desconhecido.
Quem mandou o dólar subir ou o comércio descer as portas? Não se está aqui insinuando que uma coisa tenha a ver com a outra, mas há, evidentemente, um certo grau de parentesco entre os dois fenômenos. A especulação, como se sabe, é prima-irmã do boato – ambos não têm pai nem mãe.
A tal “crise de confiança” alegada por Armínio Fraga para justificar a disparada da moeda americana na quinta-feira, 9 de outubro, serviria, de forma até mais apropriada, para explicar a histeria dos comerciantes cariocas naquele fatídico 30 de setembro.
Da mesma forma, ainda que uma kombi branca com quatro negões a bordo tenha passado pela Avenida Paulista fazendo sinais para o dólar subir, não se justifica a obediência do mercado, acostumado a lidar com bandidos bem mais sofisticados, gente que anda de BMW e só admite um negro no carro preto, o motorista.
Essa conversa de culpar o Lula pela alta do dólar é tão mal contada quanto a tentativa de creditar a São Fernandinho Beira-Mar o feriado carioca fora de época. De tão loucas, as hipóteses poderiam ser invertidas: o comércio por causa das pesquisas eleitorais e o dólar subiu a mando do crime organizado. O povo acreditaria da mesma forma.
O povo acredita em tudo. Morre de medo do mercado e do crime organizado, sem nenhuma razão lógica para isso. O que pode contra a sociedade um bando de bandidos barrigudos na cadeia? Até que ponto a alta do dólar pode nos ferir de morte?
Pode ser que com todos esses pés-rapados presos e o dólar enlouquecido acabe faltando cocaína no mercado e a classe média nunca mais possa visitar a droga da Disneyworld. Pode ser, também, que os cínicos que apostam suas economias em moeda americana (sob o colchão ou em aplicações de risco cambial), acabem deixando o país declarando que não dá mais para viver no Brasil. Pode ser, ainda, que o povo não tenha mais condições de comer pão e macarrão por conta da cotação do saco de farinha importado.
Danem-se, em especial, os títulos da dívida pública corrigidos em dólar. Isso é problema de governo. Lula ou Serra, cada um mais preparado que o outro, como se anunciam, saberão decerto lidar com isso. A sociedade precisa reagir, deixar de ser refém do mal imponderável. Quem sabe, no melhor estilo cubano, com um enorme out-door desafiador fincado nas areias de Copacabana: “Senhores traficantes e especuladores do dólar, não temos nenhum medo de vocês.”